Política
Jornalismo desejoso: entre o fato e o afeto

Em tempos de polarização, redes sociais aceleradas e bolhas digitais, um conceito ganha novo fôlego nas discussões sobre comunicação: o chamado jornalismo desejoso.
Embora pouco mencionado nos debates contemporâneos, o termo se refere a uma prática jornalística que ultrapassa a simples exposição dos fatos.
Nesse modelo, a notícia é conduzida por uma intencionalidade emocional ou ideológica — expressando, ainda que sutilmente, os anseios do jornalista, do veículo ou até mesmo do público que consome a informação.
Diferente do jornalismo opinativo, que se posiciona de forma clara e assumida, o jornalismo desejoso opera de forma mais velada. Ele torce por um desfecho, molda a narrativa para sugerir um caminho, e por vezes antecipa realidades ainda não concretizadas.
Expressões como “Fulano desponta como favorito”, “Cenário aponta para virada” ou “O clima é de vitória” vão além da análise: revelam desejos editoriais mascarados de constatações.
Para estudiosos como Eugênio Bucci, essa prática representa uma ameaça à imparcialidade e à credibilidade da imprensa. “O jornalista deve estar atento aos fatos, não aos seus afetos”, alerta.
Em contrapartida, há quem defenda uma comunicação mais engajada, capaz de expressar esperança, indignação e até sonho — desde que deixe claro ao leitor quando está narrando o que é e quando está projetando o que gostaria que fosse.
Com a proximidade das eleições estaduais e federais, marcadas por disputas acirradas, o jornalismo desejoso ressurge de forma ainda mais evidente nos noticiários e portais de opinião.
No fim das contas, a responsabilidade é compartilhada: cabe a quem escreve manter o compromisso com a ética jornalística, mas também ao leitor desenvolver um olhar crítico para reconhecer quando a notícia informa — e quando ela apenas deseja.